Cidade Padre Cicero - A Terra do Meu Padim

BIOGRAFIA RESUMIDA DE PADRE CÍCERO
Prof. Daniel Walker
1. NASCIMENTO-INFÂNCIA-FAMILIA


Padre Cícero Romão Batista nasceu na cidade de Crato, Ceará, no dia 24 de março de 1844. Entretanto, sua certidão de batismo registra seu nascimento como tendo sido no dia anterior. Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana, mais conhecida como Dona Quinô, eram os seus pais.

- Apresentava os seguintes traços físicos: l,60 m de altura, cor branca, cabelos louros, olhos azuis pequeninos e penetrantes, rosto ovalado, orelhas desenvolvidas, nariz adunco, voz modulada e firme.

- Tinha duas irmãs, ambas solteiras: Maria Angélica, conhecida como Mariquinha, e Angélica Vicência. A irmã mais velha, Maria Angélica, morreu no Crato em 1878; a mais nova, Angélica Vicência, faleceu em Juazeiro em 1923.

- Ainda jovem perdeu o pai, que morreu no dia 28 de junho de 1862, em Crato, vitimado pela epidemia de cólera-morbo, responsável pelo extermínio de grande parte da população caririense. Sua mãe morreu cega e paralítica, em Juazeiro, no dia 5 de agosto de 1914. Angélica Vicência e Dona Quinô estão sepultadas no interior da Capela do Socorro, onde também foi sepultado Padre Cícero.

2. VIDA ESCOLAR E VOCAÇÃO

Aos seis anos de idade passou a estudar com o professor Rufino de Alcântara Montezuma; depois, estudou com os professores Jesuíno e Laureno Brizeno da Silva, e em seguida, com o Pe. João Marrocos, até ser matriculado no Colégio Padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras, Paraíba, no dia 1° de março de 1860.

- Aos doze anos de idade, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales, fez voto de castidade conforme escreveu em seu Testamento.


- Em 7 de março de 1865 ingressou no Seminário da Prainha, em Fortaleza, de onde saiu ordenado em 30 de novembro de 1870.


- Retornou ao Crato no dia 1° de janeiro de 1871 e no dia 8 do mesmo mês e ano celebrou sua primeira missa na terra natal.

- Depois de ordenado, a estada de Padre Cícero em Crato foi relativamente curta. Como D. Luís Antônio dos Santos, Bispo que o ordenou, não lhe deu paróquia, passou a ensinar Latim no Colégio Pe. Ibiapina, fundado e dirigido pelo professor José Joaquim Teles Marrocos, seu primo e grande amigo.

3. CHEGADA A JUAZEIRO E PASTORAL

Padre Cícero celebrou missa pela primeira vez em Juazeiro no dia 24 de dezembro de 1871, convidado pelo professor Semeão Correia de Macedo e o rico fazendeiro Domingos Gonçalves Martins.

- Passou a residir no povoado de Juazeiro a partir de 11 de abril de 1872. Veio acompanhado da mãe, das duas irmãs solteiras e de uma escrava conhecida como Terezinha do Padre ou Tereza do Padre.

- Muitos livros afirmam que Padre Cícero resolveu morar em Juazeiro por causa de um sonho que teve, segundo o qual, Jesus Cristo lhe apareceu e mostrando-lhe uma multidão de pessoas famintas ordenou: Padre Cícero, tome conta deles!

- Quando Padre Cícero chegou ao povoado de Juazeiro já existia a Capelinha de Nossa Senhora das Dores que fora erigida pelo primeiro Capelão, Pe. Pedro Ribeiro de Carvalho, em 1827. No dia 15 de setembro de 1875 Padre Cícero iniciou a construção da Igreja de Nossa Senhora das Dores, Padroeira do lugar, a quem ele estimulou uma das maiores romarias do Brasil. Graças a ele, a procissão de Nossa Senhora das Dores, realizada anualmente no dia de setembro, é uma das maiores do Brasil.

- Padre Cícero rapidamente conquistou a simpatia, o respeito e a admiração dos habitantes do local, graças ao seu comportamento de sacerdote íntegro, caridoso e trabalhador, virtudes essas que uma vez propagadas, atraíram muitas pessoas da redondeza. Assim, o povoado, antes paupérrimo e insignificante começou a crescer. Os moradores costumavam dizer: “Padre como o daqui a gente nunca tinha visto. É só por isso que a gente deixa a terra onde nasceu e vem pro Juazeiro”.

- Conforme depoimento de seus amigos, Padre Cícero sempre demonstrou elevado grau de autodomínio, qualidade certamente desenvolvida desde os tempos do Seminário. Dizem que, certa feita, ao censurar um colega de batina que bebia muito, fora repreendido também, pelo fato de fumar demais. Por causa disto, deixou definitivamente de fumar.

- Padre Cícero foi Capelão de Juazeiro de 26 de setembro de 1872 até 5 de agosto de 1892, quando foi suspenso de ordem, como decorrência da famosa questão dos milagres na qual se envolveu.. Em 21 de dezembro de 1877 passou a exercer também as funções de Vigário de São Pedro do Crato (hoje Caririaçu), embora residindo em Juazeiro.

Pouco se sabe da atuação dele durante o tempo em que foi vigário de São Pedro do Crato. Há informações de que lá ele fez boas amizades.

- Antes de ser Capelão de Juazeiro exerceu o sacerdócio (por pouco tempo) no distrito de Trairi, município de Parazinho (hoje Paracuru, Ceará). Esta foi sua primeira missão eclesiástica, após a ordenação.

4. O MILAGRE

O tão comentado fenômeno da transformação da hóstia em sangue, na boca da beata Maria de Araújo, ocorreu publicamente pela primeira vez em Juazeiro no dia 1° de março de 1889.

- Convocado para explicar o fenômeno, eis como Padre Cícero o descreveu para as autoridades eclesiásticas: “Quando dei à beata Maria de Araújo a sagrada forma, logo que a depositei em sua boca imediatamente transformou-se em porção de sangue, que uma parte ela engoliu, servindo-lhe de comunhão, e outra correu pela toalha, caindo algum no chão; eu não esperava e vexado para continuar com as confissões interrompidas, que eram ainda muitas, não prestei atenção e por isto não apreendi o fato na ocasião em que se deu; porém, depois que depositei a âmbula no sacrário, e vou descendo, ela vem entender-se comigo
cheia de aflição e vexame de morte, trazendo a toalha dobrada, para que não vissem, e levantava a mão esquerda aonde nas costas havia caído um pouco e corria um fio pelo braço, e ela com o temor de tocar com a outra mão naquele sangue, como certa de que era a mesma hóstia, conservava um certo equilíbrio para não gotejar no chão”.

5. REAÇÃO DA IGREJA

Mantido inicialmente em segredo, a pedido de Padre Cícero, o fato se repetiu dezenas de vezes, tingindo de sangue os panos com os quais as hóstias milagrosas eram recolhidas,
e aí não foi mais possível conter a sua divulgação.

- A imprensa de Recife foi a primeira a noticiar a ocorrência do fenômeno, já considerado pelo povo como milagre, conforme as notícias enviadas por José Marrocos. E foi exatamente através da imprensa que o Bispo de Fortaleza, D. Joaquim José Vieira, tomou conhecimento do ocorrido. E não gostou nada. Irritado, convocou Padre Cícero para uma reunião no Palácio Episcopal, a fim de que este explicasse o que estava acontecendo. Para apurar os fatos, o
Bispo resolveu, então, nomear em 21 de julho de 1891 uma Comissão de Inquérito, formada pelos Padres Clicério da Costa (Presidente) e Francisco Ferreira Antero (Secretário).

- Em 28 de setembro de 1891, os Padres Clicério e Antero, no pleno exercício das funções que lhes foram atribuídas pelo Bispo, testemunharam maravilhados o aparecimento de sangue em duas hóstias nas mãos da beata Maria de Araújo, fato que ocorreu Casa de Caridade de Crato, onde a beata se encontrava recolhida, por ordem do Bispo.

- A Comissão concluiu seus trabalhos no dia 13 de outubro de 1891, com parecer favorável à miraculosidade dos fatos, conclusão a que chegaram também dois médicos (Marcos Rodrigues Madeira e Ildefonso Correia Lima) e um farmacêutico (Joaquim Secundo Chaves) que presenciaram os fatos e examinaram a beata, a pedido de Padre Cícero.

- Insatisfeito com o resultado, D. Joaquim resolveu nomear outra Comissão, em 4 de abril de 1892, composta pelos Padres Antônio Alexandrino de Alencar, vigário de Crato (Presidente) e os padres Manoel Cândido dos Santos, vigário de Barbalha e Miguel Coelho de Sá Barreto (Secretários), cujos trabalhos foram iniciados em 20 de abril de 1892 e concluídos rapidamente dois dias depois. A decisão desta Comissão foi taxativa: não houve milagre! Este resultado foi do agrado do Bispo.

- A respeito dos supostos milagres D. Joaquim publicou quatro Pastorais, nas quais expressou a proibição de qualquer culto aos panos ensangüentados; exigiu a retratação pública por parte de Padre Cícero e de todos os padres que teimavam em acreditar no milagre e considerou os fatos como vãos e frutos de superstição, um mero efeito de causas puramente naturais.

- O desfecho da questão não foi nada favorável ao Padre Cícero. Ele foi punido com suspensão de ordem, segundo a qual estava proibido de pregar, confessar, guardar hóstias
consagradas no tabernáculo, etc., podendo, todavia, celebrar missa, contanto que fosse fora de Juazeiro. Mas até isto lhe foi proibido depois, a partir de 14 de abril de 1896, punição que perdurou até à sua morte, em 20 de julho de 1934.


- Reunida em Roma, em 14 de abril de 1894, a Congregação do Santo Ofício após julgamento da farta documentação recebida do bispado de Fortaleza, resolveu reprovar e condenar os chamados milagres de Juazeiro. Padre Cícero foi a Roma, para onde partiu no dia 11 de fevereiro de 1898, e lá chegando em 25 do mesmo mês.

- Sua permanência em Roma durou até 6 de outubro de 1898, durante a qual teve cinco audiências com a Congregação do Santo Ofício e um encontro de 20 minutos com o Papa Leão XIII, no dia 6 de outubro. Sua viagem a Roma foi até certo ponto proveitosa, pois terminou sendo absolvido das penalidades impostas pelo seu Bispo. Todavia, isto durou pouco. O Bispo conseguiu manter a sua decisão anterior, e Padre Cícero continuou suspenso de ordem para sempre. Chegou inclusive a ser excomungado, a pedido do Bispo da Diocese do Crato, D. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva. Esta pena, entretanto, nunca lhe foi aplicada de fato, devido à interferência de Dr. Floro Bartolomeu da Costa, que, em audiência com o Bispo, ponderou sobre as desastrosas conseqüências que tal medida iria acarretar à saúde do Patriarca de Juazeiro, podendo também causar um grande tumulto junto à população juazeirense e aos romeiros de um modo geral.

6. OS PANOS ENSANGÜENTADOS

Por ordem de Padre Cícero os panos ensangüentados foram guardados numa urna, e durante algum tempo passaram a ser alvo de veneração por parte do povo. Entretanto, por ordem do Bispo a urna saiu da guarda de Padre Cícero e foi entregue ao Vigário de Crato, Pe. Antônio Alexandrino de Alencar, que a colocou no Sacrário na Matriz da Penha, em 8 de março de 1892. No dia 22 de abril de 1892 um fato incrível aconteceu: a urna desapareceu!

- Muito tempo depois, outro fato incrível: após a morte do professor José Marrocos, em 14 de agosto de 1910, quando a Justiça fazia o levantamento dos bens dele, a urna foi encontrada no sobradinho onde ele morou, no Crato. Mais tarde os paninhos ensangüentados retornaram às mãos de Padre Cícero. Com a morte de Padre Cícero os ditos panos ficaram sob a aguarda da beata Mocinha (Joana Tertulina de Jesus), que era governanta da casa dele. Pouco antes de morrer, a beata Mocinha confia a caixa contendo os panos à beata Bicinha (Josefa Maria do Menino Jesus) que temerosa de mantê-la sob sua guarda, resolve entregá-la ao vigário monsenhor Juviniano Barreto que a entregou ao bispo de Crato, D. Francisco de Assis Pires. Aí aconteceu um fato incrível: em vez de mandar fazer exame, para verificar a autenticidade ou não do tão famigerado milagre e assim pôr um fim na polêmica Questão Religiosa, o bispo mandou queimar os tais paninhos. Isso ocorreu no dia 30 de novembro de 1949, por coincidência na data de aniversário de ordenação sacerdotal de Padre Cícero. O bispo nomeou uma comissão composta de monsenhor Joviniano Barreto e dos padres Antônio Batista Vieira e Francisco Custódio Limeira.

O ato de incineração dos panos ocorreu às 10 horas daquele dia, no interior do Seminário São José em Crato. Terminada a missão, foi plantada no local uma mangueira que, mal germinou, murchou e feneceu. Mas nem todos os paninhos foram queimados. Ainda existem alguns em casa de pessoas que os guardam como relíquia.

- A citada urna ou caixinha de madeira, de acordo com o inventário feito pelos membros da Primeira Comissão de Inquérito, continha em seu interior, entre outras coisas o seguinte: 60 sanguinhos com muitas manchas de sangue, 55 destes contendo partículas ensangüentadas assemelhando-se a carne, sendo uma delas proveniente duma comunhão miraculosa na qual era visível a presença do pão; corporais com manchas de sangue e contendo partículas ensangüentadas; l corporal muito ensangüentado; 4 toalhas com a mesma característica; 2 pedaços de toalha; l véu e l murça.

7. INGRESSO NA POLÍTICA

Padre Cícero ingressou na política de forma circunstancial. Eis como ele explica isso em seu Testamento: “Em 1911, quando foi elevado o Juazeiro, então povoado, à categoria de vila, para atender aos insistentes pedidos do então Presidente do Estado, o meu saudoso amigo Comendador Antônio Pinto Nogueira Accioly e, ao mesmo tempo, evitar que outro cidadão, na direção política deste povo, por não saber ou não poder manter o equilíbrio de ordem até esse tempo por mim mantido, comprometesse a boa marcha desta terra, vi-me forçado a colaborar na política”. E acrescentou: “Apesar das bruscas mutações da política cearense,
sempre procurei conservar-me em atitude discreta, sem apaixonamentos, evitando sempre as incompatibilidades que pudessem determinar choques de efeitos desastrosos”.

- A carreira política de Padre Cícero assinala os seguintes eventos: em 4 de outubro de 1911, foi empossado no cargo de Prefeito (o primeiro) de Juazeiro; em 20 de janeiro de 1912, foi eleito 3° vice-presidente do Ceará; em 11 de fevereiro de 1913, foi deposto do cargo de Prefeito, reassumindo após a vitória do Movimento Sedicioso de 1914, permanecendo no cargo até 1926; em 22 de julho de 1913, em Sessão Extraordinária da Assembléia Legislativa (dissidente) reunida em Juazeiro, foi reconhecido como 1° vicepresidente do Ceará; em 16 de abril de 1926, foi eleito Deputado Federal na vaga deixada por falecimento pelo Dr. Floro Bartolomeu da Costa, mas não quis assumir.

8. REVOLUÇÃO DE 1914

Embora se atribua ao Padre Cícero a chefia do Movimento Sedicioso de 1914, ele sempre desmentiu tal afirmação, dizendo que o comando de fato foi de Dr. Floro Bartolomeu da Costa, médico baiano que chegou a Juazeiro em 1908. Foi a ele que Padre Cícero entregou os destinos políticos do município, missão que desempenhou com muito afinco.

- Padre Cícero, na verdade, fez tudo para evitar o conflito armado, e foi somente com o intuito de salvar o Juazeiro e sua gente que concordou, depois de muita ponderação, em aderir ao Movimento Sedicioso. Foi Floro quem discutiu no Rio de Janeiro, para onde fora chamado pela alta cúpula do seu partido político, os planos de deposição do governo Franco Rabelo. A participação de Padre Cícero, porém, foi necessária, pois sem ela seria praticamente impossível o recrutamento dos voluntários, que aderiram ao Movimento, pensando principalmente em defender o Padre Cícero.

- A chamada Sedição de Juazeiro teve combates violentos, havendo elevado número de mortes, especialmente do lado do governo, o qual foi derrotado facilmente apesar de suas tropas estarem mais bem municiadas, inclusive com um canhão. Muitos soldados desertaram tão logo perceberam o sinal da derrota se aproximar, fugindo apavorados. O escritor Rodolfo Teófilo se referiu ao fato assim se expressando: “A primeira investida contra Juazeiro foi um desastre; a segunda, uma miséria”.

- Nos instantes que antecederam aos combates, Padre Cícero recomendou ao povo reunido em frente a sua residência: “Rezem o rosário da Mãe de Deus. Os pais de família fiquem em casa e defendam até morrer a sua honra. Os combatentes não bebam cachaça, não desperdicem munição, não persigam os fugitivos, não tirem do alheio”.

- Mas Dr. Floro, no intuito de incentivar seus comandados, botou na cabeça deles que na “na guerra, o vencedor tem direito ao que é do vencido”.

- É provável que, por causa disso, tenha havido tanto saque em Crato, e também em Barbalha e Fortaleza. Padre Cícero, como era de esperar, levou a culpa! Na verdade, muita coisa foi atribuída ao Padre Cícero por causa do comportamento político de Dr. Floro Bartolomeu. Mas os dois foram realmente amigos inseparáveis.

9. O ENCONTRO COM LAMPIÃO

O tão explorado encontro de Padre Cícero com Lampião, em Juazeiro, aconteceu no dia 6 de março de 1926. A versão de que Padre Cícero o convidou para se aliar ao Batalhão Patriótico em troca de uma patente de Capitão ao que tudo indica não é verdadeira. Há uma versão que atribui a iniciativa do convite e a outorga da famigerada patente ao Dr. Floro Bartolomeu, que era o Comandante do Batalhão Patriótico, e outra, segundo a qual as providências foram tomadas pelo tenente do Batalhão patriótico, Francisco Chagas Azevedo. É possível que o nome do Padre Cícero em ambos os casos tenha sido usado como sendo o autor do convite, pois ele era a única pessoa capaz de convencer Lampião a aceitá-lo.

- E a prova de que Padre Cícero não fez o convite ficou nítida quando lhe comunicaram que o famoso cangaceiro havia chegado a Juazeiro. Ele ficou visivelmente contrariado e, na verdade, ao encontrar-se com Lampião, Padre Cícero foi até duro com ele, exigindo que o mesmo se retirasse de Juazeiro o mais rapidamente possível, e até o aconselhou a deixar a vida do cangaço. Lampião tinha pelo Padre Cícero um profundo respeito, mas nunca foi seu protegido, como está escrito em muitos livros.

10. IMPORTÂNCIA DE PADRE CÍCERO


Padre Cícero em momento algum deixou a população juazeirense desamparada. Ele sempre procurou o bem-estar do seu povo. Quando irrompeu a epidemia de varíola em 1899, ele, apesar de estar recolhido ao Crato, por determinação superior, conseguiu autorização e foi socorrer a sua gente.

- Arranjou vacina, e com a ajuda do Sr. Francisco Belmiro e do farmacêutico Ernesto Rabelo conseguiu debelar o terrível mal, evitando maiores conseqüências para a população. Nas secas de 1915 e 1919 foi dos seus mandiocais que veio o alimento salvador para mitigar a fome dos pobres.

- Foi ele quem introduziu no Nordeste o hábito de se usar no pescoço o rosário da Mãe de Deus, costume até hoje ainda largamente usado, até mesmo por pessoas de classes social e cultural elevadas.

- Praticou a medicina popular, como forma alternativa de cura, prescrevendo remédios caseiros a base de ervas medicinais, com excelente resultado.

- Muito trabalhou o Padre Cícero pela educação do seu povo. Fundou escolas e custeou o estudo de jovens juazeirenses em outras localidades. Contribuiu também dando aulas particulares, sem receber remuneração. Mas sua maior contribuição à educação foi ter deixado para a Congregação Salesiana a maior parte dos seus bens, para que ela fundasse uma grande escola em Juazeiro, o que terminou se concretizando e também a substancial ajuda que deu para a fundação da Escola Normal Rural de Juazeiro, a pioneira do ensino ruralista no Brasil.

- É incontestável a grande influência que teve o Padre Cícero no desenvolvimento do artesanato, comércio, indústria e agricultura não só de Juazeiro, mas de toda a região do Cariri. Foi ele quem introduziu na região a criação do boi zebu; incentivou o cultivo da mandioca na Serra do Araripe, fazendo convergir para aquele aprazível local muitos romeiros que o procuravam em busca de orientação e trabalho; estimulou igualmente o plantio da cana-de-açúcar, chegando inclusive a financiar alguns projetos agrícolas bem sucedidos. Ninguém melhor do que ele soube aproveitar a vocação agrícola do Cariri.

- É por essas razões que muitos historiadores concordam em atestar que ele realizou nesse ponto uma obra notável, quase incrível, concorrendo não apenas para a criação da maior cidade do interior cearense, como também para um maior desenvolvimento do Cariri.

- Pode-se dizer com absoluta segurança: foi Padre Cícero quem colocou Juazeiro no mapa do Brasil. Em muitas localidades do Brasil, quando as pessoas querem se referir a esta cidade costumam dizer: Juazeiro do Padre Cícero.

11. UM HOMEM MUITO HOMENAGEADO

Padre Cícero com certeza é a personalidade mais homenageada do Brasil. Salvo uma ou outra exceção, todas as pessoas nascidas em Juazeiro do Norte (e em outras cidades do Nordeste) que têm o nome de Cícero ou Cícera (e ainda Romão ou Romana) são assim chamadas em homenagem a ele, como pagamento de promessa ou graça alcançada. É praticamente incontável o número de ruas, praças, estabelecimentos comerciais, escolas, etc. que ostentam o seu nome não só em Juazeiro, mas em muitas cidades do Brasil.

- Também é uma personalidade muito estudada. Sobre ele já foram escritas centenas de livros, sem contar as reportagens publicadas em jornais e revistas de grande circulação no País e no Exterior, onde seu nome também já é bastante conhecido. Ultimamente ele tem sido alvo de estudo por parte de universidades brasileiras e estrangeiras de onde têm saído muitas teses acadêmicas focalizando algum aspecto da sua vida. Também é assunto de simpósios, seminários, congressos, filmes, peças teatrais, músicas e documentários de televisão.

- Por outro lado, Padre Cícero foi o cristão mais punido de toda a história da Igreja, segundo depoimento de Padre Neri Feitosa. Por conta do seu ingresso na política conseguiu um punhado de inimigos que nunca o deixaram em paz, nem mesmo após a sua morte.

- Muitos dos livros escritos sobre ele, apontam-no como fanatizador, protetor de bandidos, coronel, poderoso latifundiário, aproveitador da ignorância do sertanejo, heresiarca, coiteiro de Lampião, violento, desobediente, etc., mas também, como líder dos nordestinos, patriarca, santo, amigo dos pobres, carismático, místico, visionário, etc.

- Está coberto de razão o Padre Azarias Sobreira, quando escreveu: O Padre Cícero é um cruciante ponto de Interrogação. Dele muito ainda haverá de se falar, pois é assunto inesgotável.

- O monumento em concreto erigido em sua honra na Serra do Horto, em Juazeiro do Norte, inaugurado em 1° de novembro de 1969, com 25 metros de altura e montado num pedestal de 8 metros, é um dos maiores do Brasil e constitui a maior atração turística de Juazeiro.

- Apesar de ter possuído muitos bens, conforme está discriminado no seu Testamento de conhecimento público, Padre Cícero sempre levou vida modesta, e ao se aproximar da morte não teve dinheiro suficiente para pagar as despesas decorrentes de uma cirurgia da vista a que foi submetido. Seus bens na realidade eram da Igreja. Da mesma Igreja que o puniu, tirando-lhe o púlpito, mas da qual nunca se afastou. Usou a batina até morrer e sempre assistia à missa.

12. A-MORTE DO ÍDOLO

Segundo o atestado de óbito assinado por Dr. Mozart Cardoso de Alencar, registrado no Cartório sob o n° 2088, Padre Cícero faleceu às 7 horas do dia 20 de julho de 1934, aos 90 anos de idade, tendo como causa mortis paralisia intestinal.

- Foi sepultado no dia seguinte, às 10h30min da manhã, no interior da Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e seu enterro foi acompanhado por uma grande multidão.

- Padre Cícero pediu em seu Testamento que ao morrer fosse celebrada, todo mês, no dia da sua morte, uma missa em sufrágio de sua alma. Isto vem acontecendo todo dia 20, na Capela do Socorro, Na verdade, nesse dia, se celebra missa para ele em todas as igrejas de Juazeiro, costume que já se observa também em outras cidades do Nordeste.

Mas a que é celebrada na Capela do Socorro tem uma particularidade que chama logo a atenção: é que a grande maioria das pessoas assiste à missa trajando roupa preta, como pagamento de graças alcançadas por sua intercessão, tal qual acontece na missa de São Francisco, em 4 de outubro, com as pessoas vestindo roupa marrom.

13. DEPOIMENTOS

Padre Cícero é uma figura bastante polêmica. As opiniões a seu respeito são as mais diversas. Eis algumas:

- Na concepção do seu confessor Mons. Vicente Sóter: “Padre Cícero era santo, mesmo". O médico Manuel Belém disse que jamais encontrou reunidas numa só pessoa “tantas virtudes, tantos atributos morais”. Dom Hélder Câmara também disse que “Padre Cícero era santo”.

- Um colega de batina, Pe. Manoel Feitosa, o considera “um insubmisso, um recalcitrante”, e nisto foi seguido por outro sacerdote, Pe. Dubois, que chegou a afirmar: “Eclesiasticamente o Padre Cícero é um perjuro dos votos de obediência e jamais se quis sujeitar às decisões da Igreja, porque se julga infalível contra os vetos dos seus superiores”.

- Mas com isto não concordam, por exemplo, Virgílio Machado, que afirmou: “Padre Cícero com humildade e reverência acatou ordens superiores, aceitando com resignação e respeito as advertências, inclusive a sua suspensão eclesiástica”; nem Manuel Diniz, que disse: “Ele jamais deixou de obedecer até mesmo ao zelo inexplicável de seus superiores; nem Aldenor Benevides que foi categórico ao afirmar: “Padre Cícero foi um dos maiores cultores da obediência”; o ex-arcebispo de Fortaleza Dom Delgado considerou o Padre Cícero como “um mártir da disciplina”.

- Muito se questiona sobre a cultura de Padre Cícero. Segundo o educador Lourenço Filho ele “era um homem manifestamente inculto”. Otacílio Anselmo foi mais radical e disse que ele “não era homem para debater qualquer assunto e sim para expor ou impor aquilo que estivesse na faixa de seus interesses”.

- A educadora Amália Xavier de Oliveira, que o conheceu bem de perto, disse que “Os assuntos de suas palestras eram sempre edificantes; jamais uma conversa fútil e muito menos leviana". E o Marechal Rondon tinha o Padre Cícero como "uma pessoa letrada”.

Como se vê, as opiniões divergem bastante. Entretanto, a tendência atual é bastante favorável ao Padre Cícero.

FONTES DE CONSULTA
- Milagre em Juazeiro, Ralph Delia Cava. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 1977.
- Dados que marcam a vida do Padre Cícero, Amália Xavier de Oliveira, Juazeiro do Norte, Gráfica Mascote, 1983.
- O Patriarca de Juazeiro, Pé. Azarias Sobreira. Petrópolis, Ed. Vozes, 1969.
- O Padre Cícero e a opção pelos pobres, Pe. Neri Feitosa. São Paulo, Edições Paulinas, 1984.
- Mistérios de Juazeiro, M. Diniz. Juazeiro do Norte, 1935.
-Juazeiro e o Padre Cícero, Floro Bartolomeu da Costa. Rio de janeiro, Imprensa Oficial, 1923.
- Falta um defensor para o Padre Cícero, Pé. António Feitosa. São Paulo, Edições Loyola, 1983.
- Cartas do Padre Cícero, Pé. Antenor de Andrade e Silva, Salvador, Escolas Profissionais Salesianas, 1982.
- Lampião e o Padre Cícero, Fátima Menezes. Recife, Imprensa Universitária, 1985.
- Padre Cícero, o santo do Juazeiro, Rio de Janeiro, Edmar Morei, Ed. Civilização Brasileira, 1966.
- Padre Cícero, mito e realidade, Otacílio Anselmo. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1968.
- Efemérides do Cariri, Irineu Pinheiro. Fortaleza, Imprensa Universitária da UFC, 1963.
- Juazeiro do Padre Cícero, Lourenço Filho, São Paulo, Edições Melhoramentos.
- Sedição de Juazeiro, Rodolfo Teófilo. São Paulo, Monteiro Lobato & Cia. Editores, 1922.

Fonte: Daniel Walker